Das Consequências da Declaração para a Transferência de Potencial Construtivo de Imóveis Localizados na Operação para Imóveis Estabelecidos Fora de seu Perímetro.
A Lei Municipal n° 12.349/97 aprovou a chamada "Operação Urbana Centro", "compreendendo um conjunto integrado de intervenções coordenadas pela Prefeitura, através da Empresa Municipal de Urbanização - EMURB, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, visando a melhoria e valorização ambiental da área central da cidade" (art. l° da Lei 12.349/97).
Tal Lei prevê a possibilidade de transferência de potencial construtivo de um bem localizado no perímetro da Operação Urbana Centro para outros imóveis localizados fora desse perímetro (arts. 6° e 7°), devendo as propostas serem "submetidas à aprovação da Comissão Normativa da Legislação Urbanística" (art. 8°, caput).
Concretamente, abre a possibilidade de elevação do coeficiente de aproveitamento - um dos aspectos mais relevantes na disciplina do zoneamento - em grande parte da cidade, mesmo fora da área central. Em outras palavras, cumpre considerar que resulta, do mecanismo criado, a possibilidade de derrogação pontual da lei de zoneamento por ato de Executivo, porque essa aprovação de transferência de potencial construtivo implica, necessariamente, em superação do coeficiente de aproveitamento vigente para o imóvel que recebe esse potencial. [1]
Após a aprovação da Lei em estudo, o Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação direta de inconstitucionalidade, objetivando “a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 1°, do art. 6° e da expressão "ou fora" contida nos artigos 6° e 7°, todos da Lei nº 12.349/97, do Município de São Paulo, que trata da instituição da "Operação Urbana Centro·, a qual, em última análise, delegou ao Poder Executivo a competência para, aleatoriamente, estabelecer normas de zoneamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos e demais limitações administrativas fora dessa área.” [2]
Na ótica do Parquet, “a Lei n° 12.349/97, do Município de São Paulo, criou um programa de revitalização do centro da cidade pelo qual, basicamente, permitiu-se que fossem transferidos potenciais construtivos não utilizados de um imóvel situado nessa região para outro imóvel situado tanto no centro como fora ele. E, exatamente por permitir a transferência para fora da região central, entendeu-se que, nesse aspecto, a lei é inconstitucional.” [3]
À referida ação, foi dado provimento pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual “restou consignado o entendimento, com base no parecer ministerial, no sentido de que a Lei 12.349/97, nos dispositivos impugnados, ao permitir a transferência do potencial construtivo para fora da região central, teria permitido mudanças totalmente aleatórias sobre normas de zoneamento e ocupação do solo, índices urbanísticos e demais limitações, a critério do Poder Executivo, infringindo o artigo 181 da CE, bem como caracterizando delegação de poderes vedada pelo artigo 5°, § l°, da também da Constituição Estadual.”[4]
Portanto, ocorrendo a declaração de inconstitucionalidade parcial da Lei, de modo especial das expressões contidas nos artigos 6º e 7º relativas à possibilidade de transferência do potencial construtivo para imóveis localizados fora do perímetro da Operação, criou-se uma situação prejudicial para o Município de São Paulo e aos particulares que poderiam vir a utilizar-se de tal instituto.
Aliás, como trazido pela Procuradoria Geral do Município no bojo dos embargos de declaração opostos ao acórdão que deu provimento para a ação direta de inconstitucionalidade: “sem a permissão de transferência de potencial construtivo, que é o único incentivo outorgado pelo legislador para que a iniciativa privada transforme o terreno em áreas livres e verdes e faça doação à Prefeitura como bem de uso comum do povo ou para que promova a restauração dos imóveis tombados, não haverá interesse nesta operação pelo setor particular. É praticamente impossível alguém doar um imóvel, fazer obras para a sociedade, se não vislumbrar uma possibilidade de lucros. Sem uma contrapartida não haverá nenhum interesse do setor privado em recuperar a região. Ora, se a região central fosse suficientemente atrativa ao mercado imobiliário, não necessitaria de projetos de revitalização”. [5]
Mantido o julgamento pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a Municipalidade interpôs recurso extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal, que concedeu efeito suspensivo àquele recurso, sob o fundamento de que “a aplicação da decisão impugnada poderá criar quadro de grave insegurança jurídica. É certo, ademais, que, mantida a declaração de inconstitucionalidade, afigura-se plausível pedido manifestado no sentido de sua prolação com eficácia "ex nunc"”. [6]
Desde então, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da Lei 12.349/97 ficaram suspensos, autorizando a Transferência do Potencial Construtivo para imóveis localizados fora dos limites da “Operação Urbana Centro”. A partir daí, os particulares proprietários de imóveis no Centro de São Paulo, que haviam iniciado os procedimentos administrativos junto à Municipalidade para a utilização do Potencial Construtivo - muitos deles para imóveis não compreendidos nos limites da Operação -, poderiam seguir com a utilização do potencial construtivo deferida pelo Órgão Municipal.
Entretanto, passados mais de 15 anos da concessão da medida liminar pelo C. STF, em 7 de agosto p.p., a Relatora do Recurso Extraordinário, Min. Rosa Weber, decidiu por negar seguimento a referido recurso, por não ser vislumbrada ofensa a preceito da Constituição Federal. Contudo, ao assim proceder, silenciou sobre a modulação de eficácia compreendida entre o período que vigorou a medida liminar de suspensão da eficácia da inconstitucionalidade parcial da Lei, e o decreto de inadmissão do recurso extraordinário.
Ao assim proceder (i.e. silenciar sobre a modulação da eficácia), o C. STF criou uma insegurança jurídica aos particulares que utilizaram os benefícios da Lei dentro do período em que vigorou a medida liminar. Isso porque o artigo 27 da Lei Federal 9.868/99 disciplina que “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.
Nessa toada, competia ao C. STF definir as consequências e os efeitos da manutenção do decreto de inconstitucionalidade parcial, uma vez que já haviam procedimentos administrativos de particulares em curso durante o período de suspensão do decreto de ilegalidade, alguns já deferidos, e utilizaram o direito de transferência do potencial construtivo para imóveis fora dos limites da “Operação Urbana Centro”. A partir do decreto de inadmissão, criou-se uma insegurança jurídica para estes particulares.
A necessidade de modulação dos efeitos pelo C. STF, relativa ao termo inicial do decreto de inconstitucionalidade, mostra-se essencial para a garantia das negociações que estavam em curso durante o período de 2004 até agosto de 2019. Isso porque, mantida a inconstitucionalidade parcial dos artigos 6º e 7º da Lei Orgânica, os particulares que se aproveitaram dos benefícios ali contidos poderão sofrer prejuízos de ordem material, caso não haja a aplicação do artigo 27 da Lei n.º 9.868/99 pelo C. STF.
Ademais, a declaração mostra-se imprescindível para que a Municipalidade possa traçar as diretrizes nos processos administrativos que já estão em andamento, objetivando a aplicação do benefício aos particulares da utilização do Potencial Construtivo fora dos limites da “Operação Urbana Centro”.
Diante deste cenário, conclui-se pela necessidade de que o decreto de inconstitucionalidade parcial da Lei n.º 12.349/97 deverá produzir o chamado efeito “ex nunc”, ou seja, a partir da data do trânsito em julgado da decisão que inadmitiu o recurso extraordinário interposto pela Municipalidade de São Paulo. Isso porque a segurança jurídica deverá preservar o direito adquirido dos particulares que tiveram seus procedimentos administrativos para o direito de transferência do potencial construtivo deferidos pela Municipalidade no período compreendido entre 2004 e o julgamento final da ação direta de inconstitucionalidade pelo C. STF.
- André Martins Humphir
[1] MPSP - ADIN n.º 9027248-22.1999.8.26.0000.
[2] ADIN n.º 9027248-22.1999.8.26.0000 – Órgão Especial do TJSP
[3] MPSP - ADIN n.º 9027248-22.1999.8.26.0000.
[4] Acórdão - ADIN n.º 9027248-22.1999.8.26.0000 – Órgão Especial do TJSP.
[5] PMSP – RE n.º 459.689/SP – C. STF.
[6] Pet. 2.859/SP – Rel. Min. Gilmar Mendes – C. STF – j. 6/04/2004.
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