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  • Advocacia Manhães de Almeida

Lei da Liberdade Econômica - primeiras considerações

A Medida Provisória 881/2019, recentemente convertida na Lei nº 13.874, institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica tendo, como decorrência, alterações em diversas Leis no âmbito dos Direitos Civil, Empresarial, Urbanístico, do Trabalho e Tributário, além de mudanças sensíveis nas relações de comércio, profissões, juntas comerciais, registros públicos, transporte e meio ambiente – conforme visou instituir no art. 1º, §1° da Lei nº 13.874/19.


Antes de adentrar no mérito da questão, insta esclarecer que, após o protocolo da MP 881, o PDT ingressou no Supremo Tribunal Federal com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6217 [1] ) contra a referida Medida Provisória, pelo fato de não vislumbrar a urgência necessária que permeia o instituto, embasando a tese de que ocorreriam sensíveis alterações no Código Civil e na CLT, o que poderia causar um abalo na segurança jurídica.


Porém, de acordo com a Casa Civil da Presidência da República, a novel legislação seria baseada na “liberdade no exercício de atividades econômicas” e “intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado”, recebendo, no decorrer do processo legislativo, cerca de 300 emendas antes da aprovação pelo Congresso e, em seguida, mais 5 vetos realizados pelo Presidente Jair Messias Bolsonaro, para só então o sancionamento da Lei, no dia 20 de setembro de 2019, com entrada em vigor no dia subsequente.


Em corolário lógico, com o advento do novo texto legal, mais precisamente em decorrência das previsões contidas no artigo 1º da Lei, houve inúmeras e significativas mudanças, dentre elas o artigo 421 do Código Civil, que passou a receber nova redação, sendo ainda incluído o artigo 421-A que trouxe mudanças impactantes na realização de contratos privados, a saber: (i) princípio da intervenção mínima, respeito ao Princípio pacta sunt servanda; (ii) presunção dos contratos civis e empresariais serem paritários e simétricos, dando liberdade às partes contratantes de estabelecer parâmetros objetivos para interpretação de cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão e resolução; (iii) alocação de riscos definida pelas partes; e (iv) a previsão da revisão contratual ser realizada apenas em caráter excepcional e limitado.


De igual sentido, a Lei da Liberdade Econômica (LLE) também trouxe mudanças no art. 113 do Código Civil, determinando que a interpretação do negócio jurídico seja feita de maneira conjunta, prevendo os seguintes elementos: (i) o comportamento das partes posterior à celebração do negócio em decorrência do planejamento tributário; (ii) os usos, costumes e práticas de mercado, o que normalmente já é feito pelas autoridades fiscais; (iii) princípio da boa-fé presumida pelos contratantes; (iv) razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, considerando as informações disponíveis no momento da sua celebração; (v) a possibilidade de livre pactuação de regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversa daquela prevista em lei - todas estas inovações trazidas no Código Civil serão amplamente discutidas no artigo da próxima semana.


Ademais, conforme “o disposto nos artigos 1º, 2º, 3º e 4º desta Lei não se aplica ao direito tributário e ao direito financeiro ressalvado o inciso X do caput do art. 3º [2]”, percebe-se que o legislador, ao desobrigar a aplicação do Direito Tributário como forma de controle negocial do substrato econômico das operações, mais precisamente naquelas invocadas pelas autoridades fiscais para declarar negócios jurídicos defeituosos, traz um escudo ao cidadão, primordialmente diante da presunção de boa-fé dos contratantes (art. 1º, §2º da lei 13.874/19).


A razão legitimada pela nova Lei é de que os efeitos tributários de atos advindos de negócios jurídicos particulares devem ser interpretados de forma a assegurar a liberdade econômica e a respeitar integralmente as estipulações avençadas. Noutras palavras, seria a impossibilidade da requalificação de operações legais por parte de autoridades fiscais, sendo limitada tão somente a cobrança de tributos com fundamento na capacidade contributiva e na solidariedade.


Portanto, vê-se grandes modificações, principalmente em relação à liberdade econômica nos pactos realizados, sendo dever (ônus da prova) da autoridade fiscal de comprovar a existência de defeito no negócio jurídico realizado pelo particular, além do que há a presunção de validade e eficácia dos negócios sempre em favor do contribuinte.


Em tese, o contribuinte passa a ter o Estado como parceiro, com a estimativa do Governo em gerar quase 3,5 milhões de empregos ante a possibilidade de incrementação da atividade econômica promovida diante da limitação de arrecadação tributária nos limites que reza a Constituição Federal [3].


Já no âmbito trabalhista, a LLE isenta o registro de ponto para empresas com até 20 funcionários, robustece a emissão de carteira de trabalho eletrônico e visa à simplificação do e-Social (Sistema de Escrituração Digital de Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas).


Outro ponto que merece guarida diz respeito à maior liberdade de horário e dias da semana para produzir, empregar e gerar renda, desde que (i) não interfira no sossego da vizinhança; (ii) não cause poluição sonora; (iii) respeite os direitos contidos na CLT; e (iv) respeite as situações contidas dentro do direito privado, tais como leis condominiais.


De início, percebe-se que as mudanças trazidas pela Lei são muitas, impondo grandes impactos à economia e aos pequenos empresários, principalmente ante a efetiva desburocratização e simplificação das atividades comerciais de micro e pequenos empresários e setores de baixo risco (trabalho exercido em propriedade privada própria, tais como costureiras, artesãos, sapateiros, etc).


Além disso, outra mudança implementada pela LLE concerne a possibilidade de auto regulação dos preços pelo mercado (oferta e demanda), ou seja, o Estado passará a interferir menos nas relações comerciais e preços de mercadorias. Para isso, deve-se levar em consideração: (i) não afetamento do livre comércio em setores regulados e controlados pelo Estado; (ii) não estar em situação de emergência e calamidade pública; e (iii) respeitar as regras de concorrência e direito do consumidor.


Outrossim, também há previsão pela novel Lei, no que se refere a isonomia e efeito vinculativo de decisões administrativas; ou seja, se presente a mesma circunstância, o órgão deve agir de maneira idêntica, vinculando as interpretações e decisões para todos.

Fora isso, outro ponto que resultará em grande benesse aos empresários diz respeito ao art. 3º, IX da LLE, que visa fixar prazo de resposta às solicitações feitas aos entes públicos. A aprovação das solicitações de liberação de atividade econômica, passado o prazo estipulado, será tácita, ressalvado os casos em que (i) não se tratar de atividade de risco; (ii) não importar em compromisso financeiro da administração; (iii) não houver objeção em tratado à aprovação tácita; e (iv) não houver conflito de interesse.


Por fim, cumpre enfatizar que a LLE tem como objetivo, acima de tudo, alinhar o mercado brasileiro com padrões internacionais, possibilitando a criação de parâmetros para aferir a existência de abuso regulatório (art. 4º da LLE), bem como o estabelecimento da necessidade de Análise de Impacto Regulatório (art. 5º da LLE). Ou seja, aqui, o Poder Público terá seu poder restringido e limitado no que diz respeito à criação de normas que gerem prejuízos à exploração da atividade econômica no meio empresarial.


Os ânimos e expectativas com a edição e vigência da nova Lei são muitos. Economistas como o atual Ministro, Paulo Guedes, além de Marcos Lisboa e Zeina Latif, aguardam um crescimento significativo para economia, uma vez que a Lei visa fomentar o setor do empreendedorismo, limitando o abuso do governo e garantindo maior segurança jurídica aos contratos.


Portanto, percebe-se que a Lei é um primeiro passo para alavancar a economia, além de desburocratizar o setor empresarial do país, facilitando a garantia à livre iniciativa e o amplo exercício da atividade econômica, favorecendo, principalmente, os pequenos empreendedores tão aflitos diante do cenário econômico atual.



- Vidal, Mariana G.





[1] Após a instrução processual, a ADI 6217, atualmente, está conclusa para julgamento, tendo como Relator o Min. Ricardo Lewandowski


[2] Art. 1º. §3º da Lei nº 13.874/19


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