A “Lei da Laje”, como comumente vem sendo chamada, foi criada a partir da Medida Provisória de nº 759, de 22 de setembro de 2016, e convertida em texto da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017.
Em breve cotejo analítico das novas mudanças corporificadas no texto de lei, há duas novidades sensíveis: a primeira delas é a modificação do art. 1225, com a inclusão dos incisos XII e XIII, colocando o Direito de Laje como uma modalidade de Direito Real; a segunda diz respeito à inserção do artigo 1.510, alíneas A, B, C, D e E no Código Civil.
O art. 1.510 – A do Código Civil passou a prever a possibilidade do proprietário da construção-base ceder a superfície superior ou inferior de sua edificação para um terceiro, doravante “novo titular da laje” ou “lajeário”, para manter e possuir unidade autônoma diversa da originalmente construída, a qual abrangera o espaço aéreo ou subsolo de terrenos privados ou públicos. Nesse aspecto, a laje construída possui total independência da construção-base, retendo o lajeário o direito de uso, gozo e disposição da coisa, inscrevendo seu direito em matrícula própria e respondendo por todos os encargos e tributação da unidade imobiliária.
Inicialmente, o Direito de Laje surgiu com a finalidade de regularizar as inúmeras propriedades espalhadas pelo Brasil que foram construídas de maneira irregular. Estas são comumente vistas em diversas comunidades de baixa renda, onde os proprietários da construção base permitem a edificação de outro imóvel em sua parte superior ou inferior, havendo total independência e individualização da construção base realizada.
Um dos exemplos mais fatídicos e consuetudinários ocorridos em muitas comunidades diz respeito à possibilidade de um pai “doar” uma parte do terreno – leia-se qualquer fração ideal da propriedade - para um de seus filhos construir um “puxadinho” ou, como aqui será versado, uma laje para servir de residência para sua família.
Ocorre que, aos lajeários e sucessores, era, até então, suprimido o direito à transmissão da Laje. Era um limbo que pairava sobre o nosso ordenamento jurídico e que, mesmo não havendo uma ilicitude intrínseca em sua concepção, não havia como resguardar o direito àqueles usuários da Laje.
Devido, primordialmente, aos muitos “puxadinhos” criados em terrenos ilegais, não há como mensurar quantas edificações foram construídas à margem da lei.
O que se percebia era um grande abismo entre o direito positivado e o direito construído no meio social, ou, ao menos, em relação ao direito que as pessoas buscavam soluções dentro do judiciário, com o fim de regulamentar e trazer para a situação fática a estabilidade e objetividade às relações vividas.
O grande embate discutido é, sobretudo, a legalização da situação que nasceu de uma concepção ilegal, porém, ao mesmo tempo, que se mantém legítima em sua essência – qual seja - o acesso à moradia digna prevista constitucionalmente.
Essa incerteza, que sempre existiu no ordenamento pátrio, foi diluída após a promulgação da Medida Provisória 759, convertida na Lei 13.465/2017, que dispõe, dentre muitos pontos, sobre o tema de regulamentação fundiária urbana e rural.
Assim, a Laje, ou o direito sobre a laje, passou a ser vista como uma nova conceituação de propriedade, criada por cessão onerosa ou gratuita da superfície (de terreno público ou privado), sendo possível a construção na parte superior, inferior ou no mesmo plano do terreno, dando, ao novo titular da propriedade, o direito de manter unidade autônoma da edificação original.
A condecoração da laje no rol dos direitos reais (com a inserção do art. 1.510-A e seguintes no Código Civil) viabiliza a regularização de milhares de dezenas de construções por todo país, trazendo a normatização do direito sucessório e registral da construção erigida.
Além do que, a aplicação do direito de superfície, medida que era imposta como forma de aplicação da lei nos diversos casos existentes, se torna obsoleta no momento em que a lei 13.465/17 insere o Direito de Laje como uma nova modalidade de Direito Real, dando aos “lajeários” a possibilidade de escrituração, por via pública ou particular, para registrar o seu direito e, de forma autônoma, passar a exercer plenamente os direitos sobre o bem imóvel.
Assim, o Direito Real de Laje nada mais é que a possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que um terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.
A propriedade se desdobra em propriedade superficiária (construção base) e a propriedade de Laje, em uma construção realizada acima da primeira construção ou abaixo da construção base.
Com o advento e a edição da Lei 13.465/17, o legislador passou a aceitar nova forma de aquisição originária de propriedade, resguardando os direitos para a pessoa que construiu a laje.
A novel legislação foi a forma que o legislador encontrou para poder resguardar e regularizar o direito de propriedade e moradia àqueles que utilizam a Laje como forma de construção do imóvel residencial.
Assim sendo, verifica-se, com a instituição da Lei 13.465/17, que, além de normatizar e regularizar situações cotidianas que tanto assoberbam o judiciário nos dias atuais, inclui o Direito à Laje como Direito Real de Propriedade, colocando um “ponto final” na discussão doutrinária e jurisprudencial concernente à hipótese de equiparar a Laje como modalidade do instituto da Superfície.
De resto e para uma análise que será feita mais adiante em outro artigo, importante mencionar que o Direito Real de Laje está sendo estudado como forma de substituição do Direito de Superfície em propriedades públicas, como forma de garantir o maior aproveitamento do espaço disponível, permitindo aos lajeários a segurança jurídica necessária para se investir em uma construção que, mais tarde, será de sua propriedade – diferentemente do que ocorria com o Direito de Superfície, que é um Direito Real limitado e com prazo de uso e gozo pré-estipulado, podendo, entretanto, ser pactuado por prazo determinado ou indeterminado.
Portanto, singrando esses mares, o constituinte dedicou especial atenção ao Direito de Propriedade, transpassando a proteção genérica da inviolabilidade deste. Cuida-se, pois, de um direito fundamental de envergadura constitucional, ligado à evidência, ao mínimo existencial, e ao exercício de uma vida digna conferido, entre outros, ao permitir o acesso à propriedade de maneira irrestrita às mais diversas camadas da sociedade.
- Mariana Gomes Vidal
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