A demolição do imóvel localizado na Rua Artur Prado, 376, na Bela Vista – SP, conhecido como Casarão das Muletas, é mais um triste ataque que assistimos passivamente contra o nosso patrimônio histórico.
Nessas quase duas décadas que me encontro envolvido ao tema do patrimônio histórico, inicialmente como membro do CONPRESP e nos últimos anos, como conselheiro do CONDEPHAAT, venho defendo a máxima de que “tombar não é preservar”.
O tombamento, em si, é um instrumento jurídico que dá a sustentação legal para que, após o reconhecimento da relevância cultural do bem, esse patrimônio tombado receba a devida atenção da sociedade e do poder público para que de forma sustentável, mantenha-se devidamente preservado.
No entanto, não temos uma efetiva política pública de incentivo ao bem tombado, tampouco projetos que buscam conscientizar a população a prestigiar os bens que retratam a nossa história. Tomba-se muito, preserva-se pouco! Na cidade de São Paulo, são praticamente 4 mil imóveis tombados e outras dezenas de milhares de imóveis localizados em áreas envoltórias a esses bens tombados. Em que estado se encontram esses imóveis tombados? O que a população de São Paulo conhece desses imóveis?
Há praticamente cinco anos vivemos algo semelhante ao que estamos experimentando agora com o Casarão das Muletas. Refiro-me ao incêndio e consequente desmoronamento de um ícone da arquitetura moderna projetada em 1960 pelo arquiteto Roger Zmekhol, o Edifício Wilton Paes de Almeida, que pela desídia dos órgãos públicos, tombou - literalmente.
O Edifício Wilton Paes de Almeida teve o seu tombamento “no papel” declarado em 1992 pelo CONPRESP enquanto o “desmoronamento/tombamento físico da edificação” se deu em 2018 após o incêndio ocorrido enquanto o prédio encontrava-se ocupado pelo Movimento Luta por Moradia Digna.
E assim seguimos (passivamente) perdendo a nossa história.
Para não ficar apenas na indignação, trago para reflexão algumas rápidas propostas:
1). O poder público deve fornecer ao proprietário do imóvel tombado, suporte técnico para orientá-lo a como preservar o bem tombado, inclusive com a elaboração de projetos de restauro e plano de preservação;
2). Os imóveis tombados devem contar com a isenção de IPTU;
3). No que se refere a prestação de serviços nas obras de restauro e reformas em imóveis tombados, tais serviços deveriam contar com isenção de ISS;
4). Eliminar a limitação que existe em relação ao montante de recursos que podem ser objeto de TDC – Transferência do Direito de Construir (a que faz menção o artigo 24 da Lei 16.402/2016) e desburocratizar esse processo de transferência;
5). Ao analisar um imóvel para fins de tombamento deve-se também considerar as repercussões econômicas e urbanísticas que as limitações decorrentes do tombamento, provocarão ao imóvel no que se refere ao cumprimento de sua função social;
6). Os projetos de restauro e reforma de imóveis tombados deverão contar com rito expresso de licenciamento e isenção de recolhimento de emolumentos;
7). Os órgãos de preservação não podem incidir no erro de aplicar o Tombamento como instrumento de definição do uso e da ocupação do solo, em evidente desvio de finalidade do instituto;
8). Os órgãos de preservação devem contar com mais estrutura, especialmente no que se refere a equipe técnica, para poder atender, com eficiência e em tempo razoável, as demandas que são levadas para deliberação de tais órgãos.
Enfim, a preservação da memória, da história e da cultura se faz com medidas coordenadas, coerentes e concretas, não com discursos fáceis e recheados de boas intenções (às vezes nem tão boas assim), mas sem fundamento técnico.
Para se alcançar o objetivo da preservação, há de se buscar o equilíbrio entre a proteção dos bens relevantes sob o ponto de vista histórico e da cultura local, e o progresso, o desenvolvimento e a constante mudança da cidade e do modo de vida dos cidadãos.
A tarefa não é fácil, mas é possível.
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